A ESPIRITUALIDADE DO PADRE DIOCESANO



A mística cristã refere-se à experiência que o fiel faz do Deus Trino a partir de Deus Filho, nosso Senhor Jesus Cristo. Porém, o processo que leva a essa experiência varia muito. Os padres de institutos, congregações e ordens religiosos, por exemplo, vivem uma espiritualidade mediada, ou seja, através do modelo de espiritualidade dos fundadores: São Francisco de Assis, São Domingos de Gusmão, São João da Cruz, e outros.
O padre diocesano, no entanto, não vive essa mediação em sua espiritualidade. O único modelo do sacerdote diocesano é Jesus de Nazaré e a espiritualidade do padre diocesano é a espiritualidade do próprio Cristo Jesus. Neste ponto, muitos perguntam se São João Maria Vianney não é um mediador, como os são os fundadores religiosos. A resposta é não. O Cura D’Ars é o patrono do padre secular, exemplo do seguimento de Jesus Bom Pastor, mas o modelo do padre diocesano é apensa Jesus de Nazaré.
Enquanto os padres religiosos, a priori, vivem mais intensamente um aspecto da espiritualidade de Jesus – a pobreza, o cuidado com os enfermos, a catequese, a doação na Cruz, o zelo com as crianças ou com idosos, etc. –, o padre diocesano deve viver a integralidade da espiritualidade do Mestre.
Talvez devido a essa amplitude maior da espiritualidade do padre diocesano em relação ao padre religioso é que muitos acreditam não haver um espiritualidade própria para o primeiro, o que é um equívoco profundo. O padre diocesano tem sua espiritualidade fundada no coração do Bom Pastor, aquele que vai ao encontro da ovelha onde quer que ela esteja. Esse coração de pastor do padre diocesano o leva, assim, a estar profundamente inserido no mundo, em todas as situações em que o povo se encontra, daí ser chamado de padre secular.
Acima, afirmei que os padres religiosos vivem a priori um aspecto da espiritualidade de Jesus; digo a priori, pois após as renovações do Concílio Vaticano II, grande parte do clero religioso tem vivido a mesma espiritualidade do padre diocesano, uma vez que vivem cada vez menos dentro das casas religiosas e assumem paróquias que exigem uma inserção junto ao povo que vai além do carisma do fundador.
Procurando viver em plenitude a espiritualidade do Mestre Jesus, o seu ideal passa a ser o mesmo do Apóstolo Paulo: “não sou eu quem vivem, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). E ao povo de Deus, confiado ao padre diocesano pelo ministério ao qual é instituído, interessa precisamente essa identidade com Jesus Cristo.


1. espiritualidade presbiteral


A espiritualidade presbiteral é comum ao presbítero religioso e ao diocesano ou secular.
No Diretório para o Ministério e a Vida do Presbítero, de 1994, publicado pelo Congregação para o Clero, lemos que “na atual fase da vida da Igreja e da sociedade, os presbíteros são chamados a viver em profundidade o seu ministério, tendo em conta as cada vez mais profundas, numerosas e delicadas exigências de ordem não só pastoral mas também social e cultural, às quais devem fazer frente. // Portanto, eles estão hoje empenhados nos diversos campos de apostolado que requerem generosidade e dedicação completa, preparação intelectual e, sobretudo uma vida espiritual amadurecida e profunda, enraizada na caridade pastoral, que é a sua via específica para a santidade e que constitui também um autêntico serviço aos fiéis no ministério pastoral. // Daqui se conclui que o sacerdote está envolvido, de maneira muito especial, no engajamento da Igreja inteira em ordem à nova evangelização”[1].
O mesmo Diretório aponta aspectos da espiritualidade do presbítero, que lhe permite viver plenamente o seu ministério próprio:
a) estar com Cristo na oração. Uma vez que o único protagonista principal de toda ação pastoral do sacerdote é o Cristo Bom Pastor, aquele tem a necessidade de estar em profunda sintonia com Este, a fim de que seu ministério pastoral seja frutuoso; e isso se dá através da liturgia, da oração pessoal, de um estilo de viva adequado ao seu estado clerical e a prática das virtudes cristãs. Assim, o Diretório orienta: “É necessário, portanto, que o presbítero programe a sua vida de oração de maneira a incluir: a celebração eucarística cotidiana, com adequada preparação e ação de graças; a confissão freqüente e a direção espiritual já praticada no seminário; a celebração íntegra e fervorosa da liturgia das horas, à qual é cotidianamente obrigado; o exame de consciência; a oração mental propriamente dita; a lectio divina; os momentos prolongados de silêncio e de colóquio, sobretudo nos Exercícios e retiros Espirituais periódicos; as preciosas expressões da devoção mariana como o Rosário; a “Via-Sacra” e os outros pios exercícios; a frutuosa leitura hagiográfica”
[2].
b) caridade pastoral. “A atividade ministerial deve ser uma manifestação da caridade de Cristo, da qual o presbítero saberá exprimir atitudes e comportamentos, até a doação total de si em benefício do rebanho que lhe foi confiado
[3]”. Porém, o ativismo ou funcionalismo fazem com que a caridade pastoral seja esvaziada, tornando o padre um realizador de serviços, lançando sua vida também num vazio. “O sacerdote que sabe ser ministro de ministro de Cristo e da sua esposa, encontrará na oração, no estudo e na leitura espiritual a força necessária para vencer também este perigo”[4].
c) pregação da Palavra. “Em ordem a um frutuoso ministério da Palavra, (...) o presbítero deve dar o primado ao testemunho de vida, que faz descobrir a potência do amor de Deus e torna persuasiva a sua palavra. Além disso, terá em conta a pregação explícita do mistério de Cristo aos crentes, aos não crentes e aos não cristãos; a catequese, que é a exposição ordenada e orgânica da doutrina da Igreja; a aplicação da verdade revelada à solução dos casos concretos”
[5].
d) o sacramento da Eucaristia. “Se o presbítero empresta a Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, a inteligência, a vontade, a voz e as mãos para, mediante o seu ministério, poder oferecer ao Pai o sacrifício sacramental da redenção, deverá fazer próprias as disposições do Mestre e viver, como Ele, sendo “dom” para os seus irmãos. Deverá por isso aprender a unir-se intimamente à oferta, colocando sobre o altar do sacrifício toda a sua vida, como sinal manifesto do amor gratuito e preveniente de Deus”
[6]. O Diretório destaca ainda a atenção que deve ser dada pelo presbítero ao momentos de adoração ao Santíssimo Sacramento, mesmo fora das missas, apontando como momento privilegiado da adoração eucarística a celebração da Liturgia das Horas, “a qual constitui, durante o dia, o verdadeiro prolongamento do sacrifício de louvor e de ação de graças que tem na Eucaristia o centro e a fonte sacramental” e na qual “o sacerdote, unido a Cristo, é a voz da Igreja para o mundo inteiro”[7].
e) o sacramento da Penitência. Em decorrência de seu múnus e da ordenação sacramental, o presbítero deve dedicar-se a ouvir a confissão dos fiéis, atendo-se às normas da Igreja, a qual defende e promove a confissão pessoal do fiel ao confessor, reservando a confissão e absolvição comunitária a casos extraordinários. Assim como os fiéis, o presbítero também deve confessar os próprios pecados, a fim de fortalecer-se na fé e na caridade. Deve, ainda, paralelamente ao Sacramento da Reconciliação, exercer o ministério da direção espiritual, recebendo ele mesmo essa direção, fazendo, assim, com que cresça na sua consciência a importância de não caminha sozinho pelos caminhos da vida espiritual e da atividade pastoral.
f) guia da comunidade. Este aspecto expressa a profunda comunhão entre o presbítero e a sua comunidade. “Pastor da comunidade, o sacerdote existe e vive para ela; por ela reza, estuda, trabalha e se sacrifica; por ela está disposto a dar a vida, amando-a como Cristo, dirigindo para ela todo o seu amor e a sua estima, prodigalizando-se com todas as forças e sem limites de tempo por torná-la, à imagem da Igreja esposa de Cristo, cada vez mais bela e digna da complacência do Pai e do amor do Espírito Santo. // Esta dimensão esponsal da vida do presbítero como pastor fará com que ele guie a sua comunidade servindo com dedicação todos e cada um dos seus membros, esclarecendo as suas consciências com a luz da verdade revelada, defendendo com autoridade a autenticidade evangélica da vida cristã, corrigindo os erros, perdoando, sanando as feridas, consolando as aflições, promovendo a fraternidade”
[8].
g) o celibato sacerdotal. O celibato consagrado deve ser compreendido e vivido como sinal concreto da radicalidade do seguimento de Cristo e da realidade escatológica. O celibato, “como dom e carisma particular de Deus, requer a observância da castidade, portanto, da continência perfeita e perpétua por amor do Reino dos céus, para que os ministros sagrados possam aderir mais facilmente a Cristo com o coração indiviso e dedicar-se mais livremente ao serviço de Deus e dos homens”
[9]. Portanto, o celibato é a expressão da disponibilidade total do sacerdote ao serviço de Jesus na Igreja.
h) a obediência. “Como para Cristo, assim também para o presbítero a obediência exprime a vontade de Deus que é manifestada ao presbítero através dos legítimos Superiores. Esta disponibilidade deve ser entendida como uma verdadeira realização da liberdade pessoal, conseqüência de uma escolha amadurecida constantemente diante de Deus na oração. A virtude da obediência, requerida intrinsecamente pelo sacramento e pela estrutura hierárquica da Igreja, é claramente prometida pelo clérigo, primeiro no rito de ordenação diaconal e depois no da ordenação presbiteral. Mediante ela, o presbítero fortalece a sua vontade de submissão, entrando assim na dinâmica da obediência de Cristo feito Servo obediente até a morte de Cruz (cf. Fl 2,7-8)
[10]”. Cabe ao presbítero a obediência ao Sumo Pontífice e ao Ordinário próprio; às normas litúrgicas; e aos planos pastorais da Igreja particular, aos quais devem estar harmonizadas as atividades da sua comunidade eclesial.
i) espírito sacerdotal de pobreza. No rito de ordenação, ao contrário de votos religiosos, o presbítero não assume a pobreza como promessa pública, porém, deve levar uma vida simples, sem luxo ou requinte, desapegado dos bens materiais e de comodidades excessivas, de forma a exprimir, com seu estilo de vida, a mesma liberdade interior de Jesus em relação a todos os bens e riquezas do mundo. Quanto maior for a preocupação do presbítero com os bens materiais, menor será a sua disponibilidade ao serviço aos fiéis.
j) Devoção a Maria. “A espiritualidade sacerdotal não pode dizer-se completa se não toma seriamente em consideração o testamento de Cristo crucificado, que quis entregar a mãe ao discípulo predileto e, mediante ele, a todos os sacerdotes chamados a continuar a sua obre de redenção. (...) Os sacerdotes, que estão entre os discípulos prediletos de Jesus crucificado e ressuscitado, devem acolher Maria como sua mãe na própria vida, fazendo dela objeto de contínua atenção e oração. A sempre Virgem torna-se então a mãe que os conduz a Cristo; que os faz amar continuamente a Igreja, que intercede por eles e os guia para o Reino dos céus. (...) Mas não se pode ser filho devoto se não se sabe imitar as virtudes da mãe. Portanto, para ser ministro humilde, obediente, casto e para testemunhar a caridade na doação total ao Senhor e à Igreja, o presbítero deve considerar a figura de Maria”
[11].
Além desses aspectos elencados acima, o Diretório apresenta a formação permanente como exigência nascida a partir da recepção do Sacramento da Ordem. Essa formação deve ser completa – humana, espiritual, intelectual, pastoral, sistemática e personalizada. Assim, harmonizando todas as dimensões da vida do presbítero, essa formação permanente e completa colabora com ele “a conseguir o desenvolvimento da sua personalidade humana, amadurecida no espírito de serviço aos outros, seja qual for o encargo recebido; a estar intelectualmente preparado nas ciências teológicas e também nas humanas, enquanto conexas com o seu ministério, de modo a realizar com maior eficácia a sua função de testemunha da fé; a possuir uma vida espiritual profunda, alimentada pela intimidade com Jesus Cristo e pelo amor à Igreja; a realizar o seu ministério pastoral com empenho e dedicação”
[12].
Outros pontos importantes são apresentados pelo Diretório e que fortalecem a espiritualidade do presbítero:
a) encontros sacerdotais. Os encontros sacerdotais fazem crescer a comunhão entre os presbíteros, podendo acontecer em âmbito diocesano, regional ou nacional.
b) ano pastoral. É o ano sucessivo à ordenação presbiteral, o qual deve ajudar o recém-ordenado a se amadurecer humana e ministerialmente. Para isso, deve-se evitar colocá-lo em situações duras ou delicadas ou em lugares distantes de seus colegas. Preferencialmente, deve-se enviar o neo-sacerdote para junto de colegas de vida exemplar e zelo pastoral. Também é um ano de aprofundamento do conhecimento mútuo e da relação entre o presbítero e o Bispo. “(...) poderão oportunamente ser organizadas lições e seminários sobre prática da confissão, de liturgia, de catequese e de pregação, de direito canônico, de espiritualidade sacerdotal, laical e religiosa, de doutrina social, da comunicação e dos seus meios, de conhecimento das seitas e das novas religiosidades, etc. Na prática, o ano pastoral deve constituir um trabalho de síntese. Cada elemento deve corresponder ao projeto fundamental de amadurecimento da vida espiritual”
[13].
b) tempos sabáticos. Não podem e nem devem ser considerados tempos de férias. São tempos mais ou menos amplos concedidos ao presbítero fadigado pastoral, física ou psicologicamente, para que retome a força e a coragem para continuar o caminho da santificação em seu ministério, através de uma mais longa e intensa relação com o Senhor Jesus. O presbítero, livre de responsabilidades pastorais diretas, poderiam, por exemplo, ter uma função em mosteiros, santuários e outros espaços de espiritualidade, preferencialmente fora dos grandes centros urbanos.
c) casa do clero. É um espaço em que o clero pudesse se reunir para encontros de formação e outras atividades em conjunto. Também é aconselhável a criação, em nível regional ou nacional, de casas com estrutura que possibilite a recuperação física, psíquica e/ou espiritual de sacerdotes com necessidades especiais.
d) retiros e exercícios espirituais. O Código de Direito Canônico estabelece a obrigatoriedade, para os clérigos, de participar nos retiros espirituais, segundo as disposições do direito particular
[14]. As duas modalidades mais usuais são o Retiro Espiritual de um dia, se possível realizado mensalmente, e os Exercícios Espirituais anuais. Devem ser tempos de oração e não cursos de atualização teológico-pastoral.

2. o presbítero diocesano

A espiritualidade do padre diocesano é a espiritualidade presbiteral, vivida em plenitude no serviço dentro de uma Igreja particular, em comunhão com a Igreja universal. É na Igreja diocesana, e mais particularmente, na comunidade paroquial, que a espiritualidade do padre diocesano torna-se uma mística, experiência profunda e existencial com o Deus cristão. É no cotidiano da comunidade eclesial, no contato direto e diário com o povo a ele confiado que a espiritualidade do padre diocesano vai-se conformando diretamente à espiritualidade do próprio Jesus de Nazaré, sem a intermediação de outros fundadores ou inspiradores.
Sendo a espiritualidade do padre diocesano ligada de forma direta a Jesus Cristo, a Bíblia torna-se, para ele, o seu principal livro, a sua principal fonte de leitura, Palavra a ser interpretada, vivida e anunciada. Na comunidade eclesial, o padre diocesano torna-se, a exemplo de Jesus, um anunciador do Evangelho, devendo proclamar a Boa Nova sem medo e com coragem (cf. Fl 1,14).
É na comunidade eclesial que o padre diocesano vive a integralidade do modelo de Jesus, o Bom Pastor, caminhando junto com o povo a ele confiado, como verdadeiro pastor do rebanho, acolhendo, cuidando, buscando, defendendo, ensinando, servindo, conhecendo cada ovelha pelo nome (cf. Jo 10,3)
[15].
No mundo cada vez mais secularizado, materialista, individualista e hedonista, o padre diocesano precisa fazer de sua vida, continuamente, a expressão concreta da caridade pastoral inspirada no exemplo de Jesus, sentindo compaixão das multidões que vivem abatidas e cansadas, como ovelhas sem pastor (cf. Mt 9,36) e indo ao encontro das ovelhas dispersas (cf. Mt 18,12).
[16]
Essa atividade do presbítero como pastor e guia da comunidade é bem salientada na Instrução O Presbítero, pastor e guia da comunidade eclesial, da Congregação para o Clero, dada a público em 2002, na qual se lê: “(...) a cura pastoral ou cura das almas, própria do múnus de pároco, que se manifesta, principalmente, na pregação da Palavra de Deus, na administração dos sacramentos e na direção espiritual da comunidade. Na paróquia, âmbito da cura pastoral ordinária, o pároco é o pastor próprio da paróquia a ele confiada; exerce o cuidado pastoral da comunidade que lhe foi entregue, sob a autoridade do bispo diocesano, em cujo ministério de Cristo é chamado a participar a fim de exercer em favor da comunidade o múnus de ensinar, santificar e governar, com a cooperação dos outros presbíteros ou diáconos, ou com o auxílio dos fiéis leigos, de acordo com o Direito”[17].
Conformando a sua vida a Jesus Cristo, o padre diocesano deve seguir os passos do Mestre (cf. Fl 1,21), esvaziar-se de si mesmo, numa experiência kenótica permanente (cf. Fl 2, 6-8), cultivando os mesmos sentimentos Dele (cf. Fl 2,5), propiciando, assim, que o próprio Cristo viva nele (cf. Gl 2,20). Conformando a sua vida a Jesus Cristo, o padre diocesano assume a missão de servidor da comunidade, pronto para servir e não para ser servido (cf. Mt 20, 24-28). Conformando a sua vida a Jesus Cristo, o padre diocesano torna-se um homem de oração e mestre e exemplo de oração para o povo (cf. Lc 11,1). Conformando a sua vida a Jesus Cristo, o padre diocesano é alguém que não foge da cruz (cf. Mt 27, 39-44); ao contrário, é um líder, uma luz em meio às trevas da vida cotidiana, provocadas pelas injustiças sociais e pelos falsos valores apregoados pelo mundo; da Palavra de Deus, extrai as orientações necessárias para a sua ação pastoral, recebendo dela a coragem para enfrentar a pobreza em todas as suas manifestações e as transformações que ocorrem tanto dentro quanto fora da Igreja.

CONCLUSÃO

Na minha atividade como formador no Seminário Interdiocesano, em Nova Iguaçu (RJ), permanentemente procuro explicitar aos formandos a mim confiados a espiritualidade do padre diocesano, acentuando o aspecto do “coração de pastor” que nos caracteriza e deve também caracterizá-los, além daqueles aspectos elencados na primeira parte deste trabalho.
A partir da minha prática pastoral, exorto-os a viver intensamente a inserção cotidiana na vida do povo de Deus, da comunidade eclesial, em comunhão com a Igreja diocesana e a Igreja universal. Ensino-os que o grande segredo da nossa realização como presbíteros é amar e deixar-se amar, a todos e por todos, sem limites. Esse amor ágape, que é verdadeiro amor cristão e que constrói o Reino de Deus, se expressa na comunhão do pastor com as ovelhas; assim, o padre só se realiza verdadeiramente como pastor do rebanho e encontra a verdadeira felicidade quando vive junto ao povo, acolhe-o, conhece-o, visita-o, abençoa-o, alegra-se e chora com ele, partilhando os bons e os maus momentos, confraternizando-se e celebrando com ele em todas as circunstâncias da vida social, pessoal e eclesial.
Oriento os seminaristas que o celibato deixa de ser um peso e torna-se um dom quando o padre ama e deixa-se amar, sentindo-se, assim, afetivamente completo; quando faz do povo da sua comunidade a sua família, os seus filhos queridos e amados. Costumo brincar, no encerramento do ECC (Encontro de Casais com Cristo), quando os coordenadores se apresentam aos encontristas (“Fulano de Fulana... Fulana de Fulano... estamos casados há N anos e temos N filhos”), dizendo: “Padre Nelson da Nossa Senhora Aparecida e Nossa Senhora Aparecida do Padre Nelson. Estamos casados há 4 anos e temos milhares de filhos amados, dentre os quais, vocês”. Os casais riem, mas aquilo que digo é o que vai no meu coração, pois considero cada fiel a mim confiado um filho amado. Após as atividades pastorais, os encontros e celebrações, deito-me em minha cama e sinto-me feliz e realizado com a minha vida e com a minha “família”, sem dramas tipo “não sou casado”, “não passei pela experiência de ter filhos”.
Reflito com os seminaristas que se eles viverem intensamente as espiritualidade do padre diocesano, não sentirão vazio em seu ministério e não necessitarão procurar outras espiritualidades alternativas de institutos, congregações ou movimentos para preenchê-los. A espiritualidade do Bom Pastor, que caracteriza o padre diocesano é a mais completa e plena dentro do cristianismo e que leva à prática incondicional do amor ao próximo.


BIBLIOGRAFIA

CONGREÇAÇÃO PARA O CLERO. Instrução O presbítero – pastor e guia da comunidade paroquial. São Paulo: Paulinas, 2002.

CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório para o Ministério e a Vida do Presbítero. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

CÓDIGO de Direito Canônico (CIC). Trad. CNBB, notas, comentários e índice analítico Pe. Jesus Hortal, 12 ed. rev. e ampl. Com legisl. compl. da CNBB. São Paulo: Loyola, 2000.

ROSEMBACH, Pe. Cilto José. A espiritualidade do padre diocesano. São Paulo, s.d. Texto disponível em
.
NOTAS:

[1] Diretório para o Ministério e a Vida do Presbítero, pp. 34-35.
[2] Ibidem, pp. 39-40
[3] Ibidem, p. 43
[4] Ibidem, p. 44
[5] Ibidem, p. 45
[6] Ibidem, p 50
[7] Ibidem, p.52
[8] Ibidem, p. 57
[9] Ibidem, pp. 59-60.
[10] Ibidem, p.65
[11] Ibidem, pp. 72-73.
[12] Ibidem, 77
[13] Ibidem, p. 85
[14] cf. CIC cân. 276, § 2, 4.o
[15] Esta questão do pastor que conhece cada ovelha pelo nome é muito significativa na ação pastoral do presbítero. O nome faz com que o indivíduo deixe se der apenas um ser ou um número no meio de um rebanho informe e torne-se uma pessoa. Quando um padre chama o fiel pelo nome, este sente que é o próprio Cristo quem o conhece pelo nome. Tenho muitas experiências de conversão a partir do conhecimento do nome das pessoas, mas vou narrar apenas dois casos. 1) Uma senhora, membro ativo da comunidade matriz da minha paróquia, em Belford Roxo, RJ, liderança de Círculos Bíblicos, vivia com seu marido havia 46 anos, sem, no entanto, haver recebido o sacramento do Matrimônio, o que a impedia de viver plenamente a comunhão com a Igreja. Propus a ela, uma vez que não havia nenhum impedimento para a realização do matrimônio, que se casassem. O mais empecilho, segundo ela, era o marido, que não gostava de Igreja nem de padres. Pedi-lhe que o convidasse para vir conversar comigo, pois eu tentaria convencê-lo. Demorou um pouco, porém, com muita má vontade, o homem apareceu. Um senhor nordestino, atarracado, semblante duro e fechado, que mal pronunciou uma palavra. Expliquei a ele a necessidade para a sua esposa, que praticava a sua fé na nossa Igreja, de receber o sacramento a fim de estar em comunhão plena com a Igreja. Ao final da nossa conversa, em que ele apenas grunhiu, respondeu-me: “Vou pensar”. Semanas se passaram sem resposta. Pedi novamente a esposa que o chamasse. E ele veio mais uma vez. Vi-o entrando no pátio da Igreja e se dirigindo à porta do templo, onde eu estava, acolhendo o povo que chegava para a missa. Quando ele se aproximou, eu o chamei pelo nome, efusivamente: “Seu Jurandir! Que prazer em revê-lo!” O homem ficou desconcertado. “O senhor lembrou o meu nome?!”. Eu lhe respondi: “Mas é claro que sim! Afinal, uma pessoa tão importante para a nossa comunidade, a gente não pode esquecer”. Resumindo a história, conforme confirmou-me anos mais tarde a própria esposa, naquele momento em que o homem foi chamado pelo nome, caíram todas as suas resistências em relação à Igreja. Ele aceitou receber o sacramento do Matrimônio, em rito realizado em nossa matriz, passou a participar da comunidade e tornou-se um amigo pessoal. A esposa, hoje, é ministra extraordinária da Comunhão Eucarística. 2) Uma jovem senhora, comerciante, com loja próxima à nossa matriz, embora sendo católica e de família profundamente católica, não participava da nossa comunidade, mas de outra, mais próxima a seu lar. Excepcionalmente, assistia missa em nossa matriz. Certa vez, compareceu à vigília de adoração que mensalmente nossa paróquia realiza no Mosteiro de Santa Clara, em Nova Iguaçu. Notei sua presença, porém, não a conhecia e perguntei à secretária paroquial quem era ela. No domingo seguinte, ela compareceu à missa matutina, antes de abrir sua loja. Ao vê-la chegar, estando à porta para acolher os paroquianos, dirigi-me a ela pelo nome: “Bom dia, Consola! Seja bem-vinda”. Futuramente, ela contou à secretária que aquele simples fato de eu a ter chamado pelo nome a cativou completamente. Passou a participar ativamente em nossa comunidade, tornou-se dizimista, ministra extraordinária da Comunhão Eucarística e uma de nossas maiores benfeitoras.
[16] Também esta questão do padre que sente compaixão das multidões que vivem como ovelha sem pastor me traz recordações de experiências pastorais gratificantes. Desde que assumi a administração da minha paróquia, fiz questão de dedicar, semanalmente, parte do dia a visitar os enfermos e também as famílias em suas casas, dando a bênção anual das famílias em seus lares. Essas visitas e bênçãos converteram muitas pessoas e angariaram a simpatia inclusive de muitos evangélicos, que ainda hoje nos visitam com freqüência nas missas, sentindo muito acolhidos por nós, católicos, e felizes por ouvirem a Palavra de Deus em nossa Igreja. Quanto aos enfermos, sentem-se confortados por receberem a visita do padre e dos ministros da Igreja; muitos membros da família dos enfermos retornaram à vida comunitária.
[17] O Presbítero, pastor e guia da comunidade paroquial, p. 53.